Nos EUA, histórias de pessoas negras, mulheres, obesos, diabéticas, amputados e outras que usam a bicicleta para superar dificuldades
Por Kea Wilson – Do Streets Blog USA
Algumas das barreiras mais difíceis de se transpor em relação ao uso da bicicleta como transporte ou esporte têm menos a ver com a falta de ciclovias ou com as constantes ameaças dos gigantes SUV’s (utilitários esportivos) e mais a ver com os tipos de corpos para os quais a cultura ciclista existe para atender e uma nova série de palestras traz 13 declarações de ciclistas com histórias os efeitos que a deficiência, a discriminação e as diferenças moldam o jeito que pedalam.
Organizada pela ávida ciclista de longa distância Annalisa van den Bergh, o seminário “Cycling With” (Pedalando Com) reuniu palestrantes que pedalam com – e nem sempre apesar de – inabilidades, diferenças corporais e barreiras discriminatórias que frequentemente as deixam de fora dos padrões de estereótipos de ciclistas.
Van Den Bergh tem diabetes Tipo 1 – uma condição cujo acompanhamento é descrito por como “virtualmente um trabalho em tempo integral” que pode tornar as pedaladas um desafio – e ela quis abrir espaço para mais pessoas ouvirem histórias de ciclistas cujas experiências não são frequentemente o foco de defesa de cicloativistas.
Em uma entrevista marcante, Jasmine Reese falou sobre a experiência de pedalar mais de 16 mil quilômetros enquanto enfrentava uma depressão clínica. Reese, que se descreve como “uma jovem preta pesando mais de 200 libras [que] não se encaixa no padrão básico da maioria dos ciclistas de longa distância,” falou sobre como usar a bicicleta diariamente a fez perceber que o corpo e a mente estavam funcionando e poderiam ser reparados e a inspirou a levar a cabo uma jornada solo pelos Estados Unidos e Canadá. (E ela o fez enquanto carregava um violino, um transportador para o cachorro, Fiji, e com menos de $50 no bolso para gastar.)
Jasmine enfrentou a depressão pedalando 16 mil quilômetros pela TrasnAmerica, ciclovia que liga o leste ao oeste dos Estados Unidos.
“O ciclismo me deu muito nesses tempos sombrios,” revela Reese. “Me levou para fora de casa; me colocou ao ar livre, me deu o exercício que eu precisava; foi o meio de transporte que me conectou com pessoas e coisas que eu precisava na vida, tipo minha educação. E me afastou tanto da minha mente quanto das interferências externas que agravavam a minha depressão.”, desabafa.
Reese não mede palavras sobre o racismo que ela experienciou em sua jornada e fornece dicas práticas para navegar em uma grande jornada da bicicleta como uma mulher preta.
A cicloativista Olívia Round listou dicas para mulheres enfrentarem o medo em cicloaviagens.
Olivia Round, que entrevistou Reese, teve medo de que ela pudesse sofrer violência de gênero durante viagens em bicicleta.
“Eu cresci acreditando que homens eram mais perigosos e não poderiam ser de confiança – e eu encontrei muitas evidencias que sustentam esse medo,” explica. “Ficou debilitante e, eventualmente, eu percebi que gastava grande parte do meu tempo me preocupando com violência sexual.”
A entrevista de Round foi uma fascinante, vulnerável, e às vezes desconfortável exploração de como a misoginia pode moldar a experiência do ciclismo. Ela também compartilha uma lista de coisas que ela relacionou para ter coragem em fazer uma viagem sozinha e cruzar o país de bicicleta apesar da ameaça de violência contra mulheres nas nossas ruas, acampamentos e além.
Morador de Tampa (Flórida), Leo Rodgers falou sobre reaprender a pedalar após perder uma perna num acidente de moto – e como pedalar um bicicleta de engrenagem fixa com clipes se tornou não apenas uma alternativa à cadeira de rodas, mas também uma ferramenta para “mudar minha vida e me fazer mais forte.”
Ele também oferece reflexões de como o trabalho como mecânico de bicicletas o ajudou a entender as necessidades de ciclistas sem-teto que frequentam a oficina dele – e como o acesso a bicicletas podem ajudá-los a conseguir emprego e ter acesso à segurança habitacional.
A líder da Black Girls Do Bike de Denver (Colorado-EUA) Stephanie Puello talvez seja a primeira mulher preta a pedalar na ciclovia Trans América – mas ela cresceu pedalando nas calçadas de Miami por ter medo de motoristas. Ela falou sobre o privilégio de escolher pedalar como uma adulta até mesmo quando você vive nas barreiras cruzadas do racismo e sexismo – e como pedalar tem “resultado em uma liberdade que nunca lhe foi permitida ter acesso”, especialmente quando as pedaladas acontecem com outras mulheres pretas no Colorado.
Stephanie Puello: “quando pedalo com outra mulher preta eu posso ser eu mesma”
“Quando o assunto é pedalar muitos dizem; qual o grande problema? É uma bike. Vai lá e faça,” desabafou. “O que as pessoas não percebem é que não são muitos ciclistas que são externamente discriminatórios contra você; é mais do tipo, ‘você não me esperava nesse mundo’…. Quando eu estou pedalando com outra mulher preta, existe essa libertação. Eu não preciso me encaixar num molde. Eu posso apenas ser eu.”
Puello também fala poderosamente sobre sua experiencia organizando protestos Black Lives Matter (Vidas Prestas Importam) sobre duas rodas em Denver e de como ciclistas Pretos podem ajudar a liderar a luta pelo fim da supremacia branca.
Os 13 vídeos Cycling With Summit apresentam ciclistas com muitas experiências importantes e pouco discutidas, de pedalar com estresse pós-traumático até voltar a pedalar depois de perder um ente querido devidoà violência no trânsito. Eles merecem devoção – e coloca-los no centro de nossa cultura ciclista.